No passado dia 13 de dezembro o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, o Estatuto de Jovem Empresário Rural (JER), criando assim uma nova figura no país e na Europa, há muito reivindicada pela AJAP – Associação de Jovens Agricultores de Portugal. O objetivo é revitalizar o interior, através da fixação de jovens e da criação de emprego nas áreas rurais. Eduardo Almendra e Firmino Cordeiro, da AJAP e ambos naturais do concelho de Alfândega da Fé, encaram este passo como uma vitória, no entanto esperam que a medida saia efetivamente do papel.
Cada vez mais envelhecidos, desertificados e deprimidos, os territórios do interior vão passar a dispor de um novo atrativo para a população jovem aí se fixar e desenvolver os seus negócios. É que esta medida pressupõe a disponibilização de linhas de apoio e financiamento para os jovens empresários rurais, que aí se estabeleçam e desenvolvam a sua atividade, que pode ser em áreas diversificadas, ligadas direta ou indiretamente à agricultura, ao turismo, ao agro-turismo ou aos serviços de apoio rural. Jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 40 anos, podem adquirir o Estatuto de JER, assim como micro ou pequenas empresas com sede nos territórios do interior. A atribuição deste título prevê diversas medidas de apoio, mas a sua concretização ainda não está prevista.
Atenta ao aparecimento desta figura única nos contextos nacional e europeu, a autarquia alfandeguense vê no Estatuto do Jovem Empresário Rural uma oportunidade de serem criadas melhores condições para o desenvolvimento socioeconómico dos territórios do interior. Eduardo Tavares, Vice-presidente do Município de Alfândega da Fé, revela em entrevista o potencial desta figura para o concelho de Alfândega da Fé.
Entrevista a Eduardo Tavares, Vice-presidente da Câmara Municipal de Alfândega da Fé
- Como é que a autarquia vê a criação da figura Jovem Empresário Rural e qual impacto socioeconómico que pode ter a nível local?
Eduardo Tavares: Para a Autarquia a criação desta figura faz todo o sentido e justifica-se plenamente no nosso contexto geográfico e socioeconómico. Efetivamente, para além da agricultura, é preciso apoiar e estimular outras atividades no meio rural, pois a agricultura per si não resolve o problema da demografia e do desenvolvimento económico, pois são precisas atividades complementares e de suporte para haver sustentabilidade. Pequenas empresas de serviços, comércios, restauração, turismo e pequenas agroindústrias dão vitalidade aos nossos territórios e queremos que todos os jovens que se proponham a estabelecer nos nossos meios, seja em que atividade for, possam usufruir de incentivos e ajudas para o fazer.
- Que medidas têm sido desenvolvidas pelo município para fomentar a criação de emprego e o empreendedorismo jovem no concelho?
Eduardo Tavares: O Município de Alfândega da Fé tem executado várias medidas de apoio para a dinamização do emprego jovem, das quais destaco as seguintes: reabilitação e modernização dos principais regadios do concelho, assim como, a criação de novos perímetros para tornar o investimento na agricultura mais atrativo e rentável; parceria com uma Incubadora de empresas, a BLC3, para a criação de empresas constituídas por jovens licenciados, processo que está em curso; regularização extraordinária de vínculos precários, através de medida específica para o efeito. Foram criados 43 postos de trabalho, na maioria para jovens do concelho.
- No concelho de Alfândega da Fé vão ser investidos cerca de 25 milhões de euros em regadio. Estes investimentos podem ser um fator de atratividade para a instalação de Jovens Empresários Rurais no concelho?
Eduardo Tavares: Sem dúvida alguma. Este investimento prevê, a curto prazo, duplicar a área regada no concelho, passando dos atuais 1000ha para os 2000ha. A dinamização de novas atividades, nomeadamente em culturas mais exigentes em água, normalmente mais produtivas e rentáveis, podem ganhar mais destaque e importância no concelho, como é o caso da fruticultura, hortícolas e pequenos frutos. O aumento de produção nas principais atividades, como é o caso do azeite e frutos secos, vai ter um impacto económico importante que pode estimular ainda mais a fixação de jovens casais na agricultura. É isso que esperamos e começa a acontecer.
- Que outros fatores de atratividade existem no concelho de Alfândega da Fé?
Eduardo Tavares: Existem atividades muito importantes e estratégicas no concelho que são todas aquelas ligadas às forças do território, como o Turismo, a Paisagem e Natureza, a Gastronomia, a Caça e Pesca e os Desportos de Recreação, Natureza e Náuticos. Alfândega da Fé possui uma localização geográfica privilegiada pois está situada junto a uma das principais vias do distrito, o IC5, com ligação à A4 e ao IP2. A zona industrial oferece assim facilidade e rapidez nos acessos e boas condições para quem aqui queira desenvolver um negócio. O regulamento de loteamento foi recentemente alterado tendo em conta a necessidade de criar atrativos para fomentar o desenvolvimento do tecido económico local, passando a prever um total de 61 lotes, com as devidas infra-estruturas urbanísticas. O novo regulamento estabelece também condições favoráveis na aquisição de lotes para as indústrias que criem mais de 20 postos de trabalho no concelho.
Para além disso, os investidores que aqui queriam estabelecer ou expandir os seus negócios, podem beneficiar de um conjunto de incentivos, nomeadamente apoio no licenciamento, formação ou realização de candidaturas a fundos comunitários, que visam facilitar a fixação de novas empresas no concelho. Com a criação desta figura de Jovem Empresário Rural, os jovens de Alfândega da Fé ou outros que aqui se queiram estabelecer, podem, assim, beneficiar de vários incentivos
Entrevista a Eduardo Almendra, Presidente da AJAP – Associação de Jovens Agricultores de Portugal
-Qual a importância política para a AJAP, resultado desta resolução de Conselho de Ministros, do dia 13 de dezembro, com a aprovação do diploma que confere o Estatuto do JER – Jovem Empresário Rural?
Eduardo Almendra: Para a AJAP esta é efetivamente uma grande vitória. Vitória porque a sua presença no território é efetiva, atenta aos reais problemas do país e das suas regiões. A dupla presença da AJAP no país, através dos gabinetes técnicos e entidades recetoras, confere à direção e restantes órgãos socias, uma visão pragmática nacional, reforçando a sua capacidade de análise e preocupação acerca dos caminhos que estão a ser traçados pelos diferentes Governos. Permita-me um aparte, dou apenas o exemplo do Governo anterior, foi conotado com uma grande afirmação política em prol da agricultura, para a AJAP não foi tanto assim, o interior foi esquecido (o JER não saiu da gaveta), os projetos de pequenos e médios agricultores passaram para os GAL, (um disparate brutal, quase ninguém se entende), o PDR - 2020, programa da sua total responsabilidade foi muito direcionado para determinadas regiões do país (Alentejo e Ribatejo) e carregado de burocracia e gralhas para outras regiões de minifúndio e pequena propriedade, devido ao elevado número de medidas e algumas sem grande sentido, para não falar das medidas de apoio aos Jovens Agricultores, onde escasseiam os meios face ao número de candidatos que pretendem abraçar a atividade.
A AJAP nada tem contra a grande propriedade nem contra a agricultura competitiva que, felizmente temos e para a qual muitos Jovens Agricultores contribuem, o grande problema prende-se com as particularidades de mais de 70% do nosso território e com o quase abandono de mais de 80% dos nossos agricultores de pequena a média dimensão.
Portugal não se pode dar ao luxo de desprezar muito mais de metade do seu país agrícola, florestal e rural, de desprezar a grande maioria dos seus agricultores, de hipotecar as gerações futuras oprimindo a dita fatia “civilizada” a menos 1/4 do seu território.
Sim, para a AJAP esta é mesmo uma grande vitória, porque claramente demonstra a grande preocupação e visão que sempre tivemos com o território na sua generalidade, com o espaço rural e nomeadamente com os territórios de baixa densidade.
A AJAP passa assim a representar duas figuras juvenis de total importância para a economia e visão estratégica do país. A figura do Jovem Agricultor oriunda de França, adotada pela UE e posteriormente associada às políticas da PAC (Política Agrícola Comum), e a do Jovem Empresário Rural, oriunda de Portugal e esperemos que a UE perceba o quanto antes a importância que pode vir a ter nas suas políticas direcionadas às regiões rurais, de montanha, florestais e mais ameaçadas pela desertificação humana.
Esse passo está já a ser preparado pela AJAP junto do CEJA – Conselho Europeu dos Jovens Agricultores e junto de interlocutores da Comissão Europeia.
Lançamos ao país uma nova figura e isso deixa um legado no país que jamais pode ser esquecido, esse feito tem uma marca e uma assinatura da AJAP, mas também teve um interlocutor e seguramente um executor crucial: o atual Governo e seguintes.
- Quais os critérios para se ser reconhecido como um Jovem Empresário Rural? Que profissões ou atividades podem estar associadas a esta figura?
Eduardo Almendra: À luz do que atualmente é conhecido é fácil, mas uma figura como esta, após esta fase de conceção, para se afirmar tem que fazer valer a sua importância. Tem de ser divulgada e nesse processo de divulgação podem ainda não existir medidas concretas nem regras definidas, os eventuais apoios vão estar na nossa perspetiva, dependentes de negociações, das diferentes pastas do elenco governativo e depois devidamente consertadas e enquadradas nos objetivos do próximo período de apoios da UE.
Em nosso entender o Governo pode e deve dar sinais do seu empenho para que a figura tenha o impacto que todos desejamos, pode e deve manifestar sinais de discriminação positiva tendo por base o orçamento de estado e programas nacionais que possam existir, por exemplo, atenuantes em impostos, taxas, linhas de crédito e outros. No entanto só ganhará a sua verdadeira dimensão e expressão quando lhe estiverem associados mecanismos de apoio comunitários numa lógica multifundos, a figura é rural, mas transversal nas atividades, portanto multissetorial, que os investidores e criadores jovens pretendam desenvolver.
Podem ser reconhecidas como JER as pessoas singulares, bem como as pessoas coletivas, que exerçam ou pretendam iniciar o exercício de atividade económica numa zona rural do interior, no caso de pessoas singulares, devem ter idade compreendida entre os 18 e 40 anos, inclusive. No caso das pessoas coletivas, os requerentes devem enquadrar-se como micro ou pequena empresa, e a maioria do capital social ou dos direitos de voto pertencerem a uma ou mais pessoas singulares que cumpram o requisito anteriormente referido.
A AJAP entende que a atividade estrutural do espaço rural é a atividade agrícola, mas associada a ela muitas outras devem existir por forma a poderem complementar e inovar a sua ação. A agricultura é uma atividade muito complexa pelo que a montante, a jusante, complementarmente direta e indiretamente associadas a ela, existe um vasto leque de atividades que seguramente serão dinamizadoras das regiões onde se inserem.
Sejamos radicais, como solucionar o desaparecimento de creches e escolas e pequenas unidades de saúde se reaparecerem crianças, jovens e casais, tudo terá de ser reinventado e aqui a iniciativa privada, nomeadamente a juvenil, se devidamente apoiada, terá uma forte palavra a dizer, porque tudo o resto já foi testado e infelizmente não conseguiu obter os resultados desejados.
O JER não é solução de todos os problemas, mas o JER seguramente faz parte da solução para muitos deles.
- O Presidente da República promulgou o decreto lei que cria o JER, mas referiu ter algumas “dúvidas”. Faz sentido que este estatuto abranja empresários rurais até aos 40 anos de idade e pessoas colectivas?
Eduardo Almendra: Estamos certos de que muito em breve a AJAP possa ser recebida em audiência por Sua Excelência o Senhor Presidente da República para assim podermos de viva voz explicar os propósitos da AJAP em torno desta figura. Importa dar a conhecer os contornos que a organização percorreu ao longo deste percurso, até que o atual Governo tivesse dado este passo.
O reconhecimento desta figura apenas peca por tardia, pois já lá vão alguns anos que a AJAP a tem vindo a estudar e partilhar junto da sociedade civil, junto dos políticos, junto de académicos e, obviamente, junto de vários governos até que, finalmente, o atual lhe reconheceu mérito e fortes possibilidades de ser parte da solução de um problema que se arrasta há dezenas de anos e que, do muito ou pouco do que se tem feito, não tem tido os impactos desejados. O abandono das zonas rurais, a migração de jovens e casais jovens dessas zonas foram tornando estas regiões mais pobres.
Entrevista a Firmino Cordeiro, Diretor Geral da AJAP – Associação de Jovens Agricultores de Portugal
- Aprovado em Conselho de Ministros no passado dia 13 de dezembro, o Estatuto de Jovem Empresário Rural (JER) tem sido uma reivindicação da AJAP há já vários anos. Qual o contributo da AJAP para que o reconhecimento desta figura fosse uma realidade? A AJAP está preparada estatutariamente para futuramente assumir responsabilidades relativamente ao JER?
Firmino Cordeiro: O contributo foi total, direi absoluto, esta figura é 100% AJAP e a AJAP tudo fez para que o Governo de Portugal lhe atribuísse estatuto, corpo e condições para que, paulatinamente, pudesse ocupar o seu espaço e tornar-se útil ao país. Inicialmente pensada, equacionada e desenvolvida por mim, enquanto aluno de Mestrado do ISA (Instituto Superior de Agronomia), em Economia Agrária e Sociologia Rural, trabalho finalizado em 2008. Foi o JER – Jovem Empresário Rural, posteriormente assumido pela direção da AJAP a que presidia, que fazia todo o sentido para a AJAP e nomeadamente para o país, sofredor de isolamento, de enorme desertificação humana e desinvestimento privado nas regiões do interior, assumi-la, incorporá-la nos seus estatutos (alteração verificada em Março de 2017) e trabalhar pública e politicamente através de inúmeros estudos, seminários e muitas reuniões, para que um dia, algum Governo lhe pudesse conferir o estatuto institucional de que carecia.Uma organização com as caraterísticas da AJAP: atualmente com 35 anos de vida, com sede em Lisboa, Sub-sede em Vila do Conde, vários gabinetes com técnicos próprios, distribuídos pelo país e com 80 Entidades Recetoras, também elas ao longo do país, como é exemplo a Cooperativa Agrícola de Alfândega da Fé. Cedo se percebeu que havia necessidade, para além da existência de Jovens Agricultores e Agricultores, de tentar encontrar uma figura de ímpeto juvenil transversal a vários setores, mas assente no espaço rural, que pudesse colmatar e atenuar o abandono progressivo de pessoas, que temos assistido na última década e meia no interior, devido sobretudo à migração.Foi na reta final do exercício deste Governo é certo, mas desde cedo o atual Governo a foi introduzindo, começando pelo Programa Eleitoral do Partido Socialista, também objeto de análise na Unidade de Missão de Valorização do Interior, depois no Plano Nacional de Combate à Desertificação e agora finalmente aprovada em Conselho de Ministros. Globalmente a AJAP está satisfeita com este passo dado pelo Governo que tem agora mais uma enorme responsabilidade com o interior, obviamente chamando a si os louros políticos que daí possam advir.
-Qual a importância do reconhecimento da figura JER para a mitigação dos problemas do interior, como a diminuição da população ativa, o desemprego e a perda de valências nas diversas áreas?
Firmino Cordeiro: A Figura JER pode assumir uma importância fulcral nestas matérias. Simplesmente porque foi desenhada para mitigar os problemas do interior, inverter a diminuição da população ativa nestas regiões e fomentar o emprego, nem que seja o próprio emprego através de micro e pequenas empresas, que seguramente vão surgir a partir desses novos jovens empresários inovadores e criativos que queiram assumir verdadeiros compromissos com as zonas do interior e rurais de Portugal.
São necessários meios e estímulos é certo, mas atrevo-me a perguntar se faz ou não sentido apostar nestas regiões, onde os costumes e tradições são únicos, onde a gastronomia é única, onde a qualidade dos produtos é verdadeiramente única, onde as paisagens também elas são diferentes e únicas e onde ainda existe muito para reinventar, reestruturar e inovar.
Vezes sem conta a AJAP utilizou esta máxima que se aplica na perfeição, a melhor forma de desenvolver o Litoral do país é investir no Interior, só assim o Interior pode oferecer serviços e produtos de excelência, quer ao Litoral quer à vizinha Espanha e outros países da UE.
A AJAP saberá estar à altura das suas responsabilidades como esteve até agora, assim este e futuros Governos percebam o alcance que este passo pode significar para um país que cresce há muitos anos assimetricamente, que perde serviços públicos quase a cada ano que passa nestas regiões e que arde assustadoramente nos verões quentes e secos, característicos do nosso clima mediterrâneo.
Apesar de reconhecer categoricamente e sem qualquer conotação política, que na sua grande maioria, os autarcas do Interior têm feito um grande esforço, este não chega, porque os sucessivos Governos centrais não têm feito o que lhes compete. Esperemos que em breve esta medida saia efetivamente do papel e possa dar os frutos que anuncia.